sexta-feira 30 de janeiro de 2009 [Publicado em: http://www.ciranda.net/spip/article2648.html]
Pescando, quebrando coco, descascando mandioca, empregadas domésticas... a superexploração das mulheres sem direitos humanos
Terezinha Ferreira
Elas garantem o sustento de suas famílias, além de cuidar dos filhos, dos idosos, e também da comunidade, organizando-a, lutando por melhorias, preservando os recursos naturais.
E ainda são discriminadas por isso. Mulher pescadora? "Mas você não tem cara de pescadora", foi a resposta ouvida pela trabalhadora da pesca, do funcionário do INSS, quando foi lá em busca de seus direitos, limpa e vestida com roupa de domingo.
Quem contou essa história foi Martilene (Ceará), da Articulação Nacional de Pescadoras, no 5º Tribunal de Mulheres, organizado pela AMB - Articulação de Mulheres Brasileiras, no Fórum Social Mundial. Além delas trabalharem no beneficiamento,na cadeia de produção da pesca, existem muitas mulheres que pescam no mangue, no cultivo de ostras ou lagosta.
Esses trabalhos não são reconhecidos como tal, pois a pesca é considerada atividade masculina. As mulheres são discriminadas não só pelo poder público, mas também pela sociedade e até pelos seus representantes sindicais, "os presidentes das colônias não ajudam", diz Martilene. "As marisqueiras querem ser reconhecidas como pescadoras e as que trabalham no cultivo de ostras ou lagostas querem ter o direito ao seguro defeso no periodo sem produção.
A questão da saúde é outro agravante, pois falta atendimento para as doenças profissionais causadas pela vivência na lama - atrofia nas mãos, problemas de coluna, câncer no útero. Segundo a pescadora, na Bahia a luta está mais adiantada e as marisqueiras já conseguiram o reconhecimento de algumas doenças típicas.
Outras bandeiras fazem parte de suas lutas: contra a violência doméstica, contra a transposição do Rio São Francisco, contra o avanço da carcinicultura (criação de camarões em viveiros). Esta última é das mais importantes lutas, pois a carcinicultura acaba com as comunidades, contamina a agua dos rios, destrói o meio ambiente, e a produção é toda para a exportação. Elas lutam ainda contra o turismo de massa, pois os grandes empreendimentos construidos para isso desestruturam suas vidas, levando para as comunidades a droga e a prostituição. Elas querem turismo sustentável e continuar garantindo o sustento de suas famílias como pescadoras artesanais.
Super exploração no campo
"Quem descobriu e criou a agricultura foram as mulheres, observando a natureza e o seu corpo", como falou Adriana, da direção nacional do MMC - Movimento de Mulheres Camponesas. E as mulheres no campo continuam com muito conhecimento, preservando as sementes criolas, as ervas medicinais.
Entretanto, também aqui esse trabalho não é reconhecido, testemunho da lider gaúcha. "O trabalho de reprodução da vida é chamado de serviço, não é considerado trabalho", diz Adriana. "A produção do auto-sustento da família, com pequenos roçados, hortas, não são contabilizados; quanto dinheiro custaria se fossemos comprar todos os dias esses alimentos para o café, o almoço e o jantar?"
A violência contra a mulher é outra questão séria, por ser menos denunciada no meio rural, segundo Adriana. E com o avanço dos monocultivos, a situação se agrava. "A produção concentrada de soja, eucalipto, laranja e agora mais cana para o etanol vem destruindo nossa vida, empobrece cada vez mais a todos, mas é pior para as mulheres, com o aumento da prostituição e muita exploração sexual de meninos e meninas, até dentro das grandes lavouras".
Exploração e criminalização de lutas e movimentos, ausência total de direitos. A situação é a mesma entre as quebradeiras de coco e outras trabalhadoras extrativistas. "Nossa luta é voltada para a segurança alimentar, nutricional de toda a família", fala Maria Adelina (Dada), maranhense do Movimento Nacional de Quebradeiras de Coco. "Estamos produzindo para alimentar o nosso povo, mas isso não conta porque não mexe no PIB, então não tem nenhuma importância".
Segundo Dada, "a violência maior é a negação dos nossos direitos pelo poder público", agravada com o incentivo da plantação de canadeaçucar, para a industria do etanol, como vem acontecendo no Maranhão, com projeto do governo.
Do extrativismo à prostituição
A superexploração em nome do desenvolvimento lista denúncias do Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia (MAMA), Movimento de Mulheres do Nordeste do Pará e outras neste movimentado Tribunal.
"Sem seguro, carteira assinada e nenhum acesso à saúde, e as parteiras tradicionais contribuem muito", como diz Socorro Papola, do MAMA, "e o povo brasileiro desconhece essa realidade". A invasão de grandes barcos pesqueiros e outros empreendimentos, como os da Petrobrás acaba com a vida das mulheres. "A populaçao do Alto Solimões está contaminada com várias doenças, e em toda a região aumenta a prostituição infantil, onde estão envolvidas figuras do poder público, como o prefeito de Quari".
No Pará, a situação é a mesma. Em torno de grandes projetos como a Hidreletrica de Tucuruí, Grande Carajás, Albrás e outros, as mulheres são superexploradas em nome do desenvolvimento. Além da prostituição ser uma das opções que sobra para as mulheres, nas fábricas de frango, castanha, é comum o assédio sexual e o controle da menstrução, denunciado apenas nas reuniões de mulheres. A luta por creche é outra causa importante aqui.
Região predominantemente extrativista é desarticulada pelo agronegócio, que muda completamente a vida das mulheres e seu modo de produção. Nessa região do Pará, as mulheres trabalham com pedra,onde perdem suas digitais e levam já seus filhos para ajudar a encher mais rápido a lata ou o carro de mão.
Descascando mandioca, cada caixa cheia vale 1 real. Plantando capim para o gado exportável, as mulheres trabalham de sol a sol, recebendo uma diária de 7 reais; a dos homens vale o dobro,14 reais. Elas acordam 4h da manhã para fazer o almoço, vão para a roça, voltam para fazer a janta e lavar roupa, muitas vezes levam as crianças escondidas para ajudar.
Até as agentes de saúde estão sem condições de trabalhar, tendo de comprar papel e caneta, não receberam o salário de dezembro e se alguém considera baixa sua produção, são obrigadas a sair. Outras funcionárias públicas também são superexploradas, como as professoras, obrigadas a ensinar quatro séries na mesma sala, com baixíssimos salários e nenhuma saúde.
Denunciar para quem? é a pergunta que essas trabalhadoras se fazem. Delegacia da mulher não existe, os homens justificam os estupros dizendo que as mulheres é que provocam. Como diz a paraense Nilcilene, "na década de 80, na renovação dos sindicatos, a participação das mulheres foi fundamental; mas elas foram afastadas dos espaços político sindicais". Enquanto isso, empresas como a Natura dão novo nome à exploração capitalista: responsabilidade social, na verdade uma grande exploração do extrativismo na Amazônia, como o da piprioca.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÉ MUITO BOM LER ESSES DEPOIMENTOS, POIS INFELIZMENTE NÃO PUDE IR PARA ESSA ATIVIDADE, ESSE NOSSO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO NOS APROXIMA DAS PAUTAS DAS MULHERES, COMO SOMOS DIVERSAS HEIM?!
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