terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Maternidade é opção, não obrigação

A ação feminista da Frente contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do aborto no FSM 2009 provocou declaração do sociólogo Boaventura de Sousa Santos durante o painel 'Terra de Direitos, Justiciabilidade dos Direitos Humanos e a Democratização da Justiça', realizado na última quarta (28).

No debate, organizado pela Rede Nacional de Advogados Populares, CPT e Terra de Direitos, militantes da Frente feminista denunciaram o uso de conteúdo fundamentalista religioso nas sentenças de magistrados brasileiros em casos de aborto. As feministas citaram como exemplo o indiciamento de mulheres de Mato Grosso do Sul, em 2008, no qual foram vasculhados pela polícia, e sem ordem legal, mais de nove mil prontuários de uma clínica sediada em Campo Grande.

Neste e em vários outros casos ocorridos no Brasil e em outros países da América Latina pode-se perceber a ofensiva de setores conservadores ligados a diferentes igrejas, com capacidade de influenciar o Estado nos diferentes níveis e órgãos de governo, assim como no Judiciário e no Legislativo. No Brasil, a ação de alguns parlamentares e juízes, além de policiais e outros servidores públicos, tem afrontado a opção constitucional pelo Estado laico e, a cada dia, vem aprofundando a criminalização dos movimentos sociais.

Frente a este contexto, Boaventura Sousa Santos defende que é preciso associar a luta política dos movimentos sociais com iniciativas junto ao Judiciário, de forma que os movimentos saiam da posição de 'réu' para uma ação que contribua para alterar o senso comum dos operadores do Direito. Durante o painel, o sociólogo lançou algumas questões, tais como: porque os movimentos sociais têm tanta dificuldade de ir ao Judiciário, de compreender o Judiciário como um dos poderes com capacidade para efetivar direitos, assim como para inviabilizar sua efetivação? Para ele, o que tem prevalecido nos movimentos sociais é a tendência de 'desconhecer' a possibilidade de iniciativas junto ao Judiciário como parte da estratégia de ação política. Mas, segundo ele, é necessário atuar com uma estratégia jurídico-política, reinventando a leitura sobre o que está nas leis, por meio da formulação de novos conceitos, criando outros universos jurídico-políticos.

Reinventar o Direito a partir da luta política seria uma das estratégias voltadas para a efetivação de direitos não institucionalizados, aproveitando o que ele chamou de 'janelas de oportunidade'. Para Boaventura Sousa Santos, qualquer que seja a luta social é possível justicializar em prol de aquisição de direitos, mas sempre numa ação articulada com os movimentos políticos populares. Se de um lado ele afirma que o Direito deve ser um instrumento de justiça social; de outro, reconhece tratar-se de um instrumento que disfarça seu caráter político pela própria autonomia em relação aos demais poderes, pela elitização das ciências jurídicas e por um discurso de manutenção de privilégios das elites.

Para Sousa Santos, dentro das lutas populares é preciso ver que conflitos aparentemente individuais podem se tornar causas coletivas, para que assim seja possível criar estratégias jurídicas que tenham relação e se adequem à estratégia do movimento social no enfrentamento das desigualdades. 'Não há porque fazer uma divisão entre as discussões sobre Direito e a luta política. De fato, o que não se pode fazer é acionar a Justiça sem a mobilização social', destacou.

Todas as frentes
Em relação à criminalização das mulheres que praticaram aborto, Boaventura Sousa Santos citou o caso de Portugal, onde também houve confronto com a Igreja e o senso comum. Lá, a estratégia jurídico-política explorou as contradições da sociedade em relação ao aborto: se setores conservadores estigmatizaram jovens pela prática do aborto, a movimentação social em defesa da legalização atuava trabalhando com depoimentos das jovens, o que terminou por propiciar mais espaços na mídia.

Frente ao senso comum e à ação articulada de setores conservadores, Boaventura salientou que a legalização do aborto não é uma luta das mulheres e sim de toda a sociedade, de todos os movimentos sociais. Além de reforçar a noção de problema coletivo, ele ressaltou que legalizar o aborto não é uma luta secundária. Para ele, todas as questões de todas as lutas são importantes, até porque o Capitalismo age em todas as frentes. Diante desta e de outras crises, o Capital está sempre se reposicionando. Cabe aos movimentos também atuar em todas as frentes, todas as possibilidades.

Frente contra a criminalização das mulheres e pela legalização do abortoContatos: (pela Articulação de Mulheres Brasileiras) Silvia Camurça (81) 91037664

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